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narrador no hospício

Uma possibilidade em que não havia pensado e não pensaria se não tentasse pensar como outra pessoa é que, talvez, ela não tenha lido a carta escrita nas páginas do livro.

Se o livro nunca chegou a suas mãos?

Se ela sequer soube dos sentimentos dele?

Tudo é possível – pensei em escrever “todas as possibilidades possíveis” mas melhor não.

Apesar de esse questionamento ter força e apelo como princípio de algo metalinguístico, não seria fácil encaixar numa narrativa ortodoxa… tergiversação demasiada, acho. Tudo que poderia ser interessante fica chato, antimidas, eu mesmo critiquei o excesso de reflexão numa narrativa, a falta de desenvolvimento numa situação em que o pensamento torna-se protagonista ou mais protagonista do que o protagonista.

Ele poderia ser o narrador e, se fosse essa minha opção, teria que concebê-lo como narrador não-confiável e só nisso já acrescentaria uma camada significativa na narrativa pretendida.

Talvez pudesse determinar o espaço ocupado pelo “herói” como um manicômio, um hospício, e ele ocuparia boa parte do tempo tentando lembrar como foi parar ali. A própria carta me inspira a pensar nesta direção. O “herói” tem uma autoimagem deformada pois escreve que sonhou com uma versão melhorada de si mesmo, “nos eixos”.

Daí essa noção: narrador no hospício.

read on

um dos materiais que veio parar em minhas mãos mais recentemente e que tenho lido de forma homeopática é o livrinho da coleção 50 PALAVRAS, A HISTÓRIA EM QUADRINHOS, de Didier Quella-Guyot.

apesar de alguns erros de tradução (scénario por ‘cenário’ – um falso cognato evidente se o tradutor tivesse prestado atenção ao contexto – quando seria ‘roteiro’) tem bastantes coisas a serem aprendidas e aproveitadas.

boa parte dos verbetes lidos até agora, por exemplo, são muito informativos da produção das BDs européias (não dava pra esperar menos, já que o autor é francófono). o sistema de estúdios, por exemplo, é (ou era) bastante difundido por lá, o que me impressionou um tanto, já que os autores europeus, apesar de produzirem com frequencia regular, o fazem num volume muito inferior aos japoneses ou americanos.

e falando em europeus, noutro dia chegou minha cópia de LA TOUR, 4º vol. da série CITÉS OBSCURES, de Benoit Peeters e François Schuiten. impressionante o trampo dos caras.

lector

título dum ensaio do Eco, acho, ‘lector in fabula’… era uma brincadeira com o ‘lobo in fabula’… li há um bilhão de anos, claro, então não tenho certeza se foi num dos ‘diários mínimos’ ou se nos ‘seis passeios pelos bosques da ficção’.

quando o ano começou, percebi que tinha voltado a ler ensaios. sem motivo aparente, sem premeditação, sem causa.

‘curiosidade’ pode ser usada como justificativa. ‘interesse’, se preferir.

sim, uma daquelas coisas que só se aprende na prática. depois de dar aulas por mais de quinze anos e de observar a molecada e a mim mesmo (não muito) atentamente, essa é a conclusão a que cheguei… pra aprender o sujeito precisa estar interessado… de outro jeito não rola.

aprendizado, no que tange a língua/linguagem, é impossível sem prática. significando que ler/escrever devem ser consideradas ações complementares, melhor, uma só ação. língua/linguagem devem ser consideradas como ferramentas/utensílios. como todas as outras ferramentas/utensílios ‘criados’ pelo animal humano, servem como extensão de nosotros.

chomsky&pinker acreditam numa ‘gramática interna’, o que quer que isso signifique. no momento acho que língua/linguagem é algo adquirido e a proficiência no uso só se dá com a prática. como outras ferramentas/utensílios.

lendo agora ‘gramáticas da criação’, do george steiner; e ‘cachorros de palha’, do john gray… aconselhável pra quem gosta de sínteses.