not Scrooge

a mulher, ex-menina, é meu fantasma do natal passado.

escrevo isto depois de terminar o relato a seguir.
em retrospecto.
de modo genuinamente calculista.
ou posso só estar mentindo, inventando conforme progrido, devagar, no velho ritmo de catar-milho, característico de digitador medíocre.
seria bem legal se pudesse dizer “esta narrativa não é a meu respeito, apesar de usar a primeira pessoa, “a coisa” (ou o texto) toda é inventada e nunca, jamais, rolou nada sequer tangencialmente parecido avec moi-même”.
conhecer a narrativa e suas estratégias me permite entender “a coisa” (ver acima) assim: tudo é sempre a respeito do autor, mesmo quando aparentemente não é, e qualquer afirmação contrária pode ser entendida como falaciosa.
o que é verdade?
o que é mentira?
cabe ao autor definir?
cabe ao leitor decidir?
talvez a segunda opção seja mais atraente em tempos de mídias sociais, mas… convenhamos, “verdade” depende.
se o intróito cansou, talvez a narrativa, em si mais breve, não canse.
começa com uma entidade agora incorpórea se manifestando em minha caixa de entrada (outrora foi uma das corpóreas, fez parte da vida do narrador e ele até a desejou mais corporalmente, ao menos por um tempo).
um fantasma de um verão passado (hm, 6 ou 7… o narrador é velho, sua cronologia, bagunçada).
isso me fez lembrar de O CONTO DE NATAL, de Dickens, e do velho Ebenezer Scrooge, de sua jornada pelo “beco da memória”, subsequente assalto e espancamento cujas sequelas o tornaram um cara mais socialmente palatável. todo mundo sabe como funcionam as narrativas de prevenção/redenção, certo?
(dá pra perceber, de saída, que o narrador quer mesmo dar uma de durão, dizer que não se importa com coisa alguma, mostrar que é macho. mas se ele e o autor são a mesma pessoa, qual seria a necessidade de produzir o presente texto? afinal, é um Scrooge ou não?)
o começo, de fato, é que tínhamos deixado de conversar quando as coisas não deram certo.
óbvio, toda responsabilidade pelo fim abrupto só cabia a ela.
(o narrador, me parece, se impõe uma auto-ironia, algo distante de sua ontologia anterior.)
e falando em mídias sociais, foi através de uma delas que me vi acossado pela ex-quelque chose
(percebe-se, também, um pendor do narrador ao pedantismo e ao melodrama barato.)
possibilidades mil de reiniciar o diálogo e ela optou pelas piores.
alguém por quem tive afeto no passado morreu (ela usou a palavra “faleceu”, talvez tentando suavizar o choque inicial, mas o narrador não consegue perceber a sutileza) e foi assim que ela começou nossa conversa.
depois de um tempo, outras mágoas sobre as quais não conversamos vieram à tona também, da pior maneira possível.
(o narrador faz questão de escrever este texto porque a mulher a quem se refere foi sua musa durante um bom tempo… se fosse honesto, admitiria que ainda é; pior, que deixou de escrever como uma forma de castigá-la ou, ao menos, de causar um blackout de informações. sim, o narrador é mesquinho pra caralho!)
que mais eu podia fazer?
o ano da morte daquele alguém foi o mesmo da morte de meu pai (o narrador, observe, é muito sentimental), o mesmo em que encontrei minha submusa (o narrador rebaixa, até, as mulheres por quem se apaixona, mesmo que a paixão seja só física, pura carnalidade), o mesmo em que machuquei a coluna e quase não conseguia mais mexer o braço…
optei por cortar contato.
definitivamente não sou o velho Ebenezer.
(talvez a coisa mais sábia escrita pelo narrador até agora. sua pessoa é tóxica. outros deveriam guardar distância.)
enquanto digitava no chrome, percebi que o recurso “explorar” sugere correções bacanas, mas não faz ideia de quando está diante de um neologismo.
queria que eu trocasse “submusa” por “submissa”, por exemplo.

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