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troço

é, foi isso que escrevi. um troço cheio de ressentimento com o mundo e a vida e tudo mais. como um romântico. mas o lance de tentar fugir da realidade, da ‘vida real’ começou bem antes deles, n’est ce pas? com o primeiro sujeito que inventou o primeiro mito pra explicar algo que não entendia ou não aceitava como realidade.
 
‘a vida não devia ser assim!’ ele deve ter dito, brandindo a pedra que matou seu irmão, ou tentando regurgitar o fruto envenenado que a mulher lhe deu. tá vendo? as mulheres são diferentes. elas aceitam as coisas como são. ‘bom, isso aqui vai me tornar mais sábia? o que são uns anos a mais de vida sem sabedoria?’ e deu uma dentada gulosa, o suco escorrendo por seu queixo perfeito, recém-fabricado.
 
a oferenda recusada é uma justificativa. a serpente tentadora outra.
 
a vida fede. a gente joga perfume com explicaçõezinhas fáceis e tal. a gente se põe no topo da cadeia alimentar que nós mesmos bolamos. ah, sim, temos ‘inteligência’, somos ‘conscientes’ e aonde chegamos com todas essas vantagens? o que deveria ser uma ferramenta evolutiva tornou-se prisão.
 
e tentamos escapar dela.
 
‘eu sou um ex-escritor em recuperação. não escrevo ficção há seis meses.’ e se sente melhor.
 
quem escreve ou lê ficção quer escapar da vida, da realidade. mas não há escapatória. não exercemos controle. o controle ou a obsessão pelo controle é decorrente de trauma na fase anal. freud disse, não eu. confie em freud. venere freud. colecionar é outro jeito de exercer controle. bom, não, obrigado. você entende? tem a ver com reter. em casos extremos ganha o nome de disposofobia.
 
não importa se a ficção é o mito ou a música, a ‘cristalização do tempo’, como queria lévi-strauss, que seja um jogo qualquer, cinema, tevê, religião, enfim…
 
temos medo do mundo que nos cerca.
 
queremos sair.
 
deixar a gaiola.
 
me pergunto o que aconteceria com os ultraromânticos se eles soubessem que a morte já estava se acomodando em seus pulmões, formando lindos tubérculos, enquanto desfiavam louvores em verso à ela. ‘morte como fuga da vida’. claro!
 
as bactérias agradecem. e nós devíamos agradecer a elas. graças a elas somos capazes de digerir o que comemos. as bactérias são a forma mais bem sucedida de vida. elas sabem como as coisas são mesmo sem ‘inteligência’ ou ‘consciência’. na metáfora evolutiva de que mais gosto, tempo é equiparado a espaço e os bilhões de anos da vida na terra equivalem a um quilômetro. a vida humana existe há dois centímetros.
 
somos pequenos desse jeito e ainda assim nos autocoroamos como o ápice da evolução.
 
já as bactérias, que não fazem idéia de sua importância, estão aí praticamente desde que o mundo é mundo. elas não dão a mínima pra porra nenhuma!
 
isso é que é vida!