NoiteLuz

Esquisito.

 

Andando a esmo pelo Gonzaga sem muito mais a fazer que entrar em livrarias e procurar o que ler, meu cenário de todo fds, recorrência bio-geográfica… praia dum lado, comércio do outro.

 

Entro na loja. No meio dela, em seu coração, tem um balcãozinho dedicado aos gibis. Sim. Claro que são gibis com preço de livraria, não aqueles que eu comprava antes, em outro ponto da linha da vida, nas bancas geridas por velhinhos turrões.

 

Às vezes os gibis têm pretensões de ser mais que uma narrativa visual, daí as pessoas  mudam seus nomes. Chamam de ‘arte seqüencial’. Não vou dar uma de hipócrita. Também faço isso. Mas no fundo sou o mesmo moleque de sempre que gosta de gibis.

 

Neste dia algo inexplicável aconteceu: um gibi que eu queria muito ler tinha chegado. Inexplicável porque, apesar de ser uma loja em que entro sabendo que o dono está preocupado em ‘servir bem para servir sempre’, não é o tipo de lugar em que se encontra material pelo qual se anseia. Eu comprei o bichinho, tão parecido com um de meus livros em prosa queridos e fui com ele pra casa, e o deixei entre os seus.

 

Ficou lá, parado, sem reclamar, até hoje.

 

A graça de NOITELUZ, de Marcelo D’Salete, não está na prosa afiada ou na arte expressiva. Seus personagens são calados, até taciturnos, e só eles falam, não há narrador onisciente. A arte é eficaz, conta a história mostrando-a sem pressa. Há cortes temporais e os elementos fundem-se aí. Deixa de ser só desenho+palavra, vira narrativa. D’Salete usa um recurso kielowskyano como frame device, uma moldura na qual as vinhetas individuais dos personagens se encaixam. Dá pra lê-las como narrativas autocontidas ou como crônica do bar, cenário, entorno no qual as coisas acontecem, as vidas convergem.

 

Não tem pretensão, esse gibi quietinho… é humano, só isso. O que me agradou mais foi a presença de um herói, calado e taciturno como seus colegas de cena, herói inesperado e nem por isso menos herói. Ele não salva a todos, claro, pois é um herói humano, nem protagoniza as histórias em que participa, às vezes quase como se fosse parte do cenário. É um herói invisível, um herói do universo de antimatéria, que tememos tocar e ignoramos ‘pro nosso próprio bem’.

 

Como nos faroestes de Leone ou nas tramas detetivescas de Hammet, sequer tem nome. Diferente destes, não faz ‘justiça com as próprias mãos’, sequer mata uma mosca. Só interfere… como uma divindade benévola em que ninguém crê, que ninguém vê.

 

Ou quer ver.

3 Respostas para “NoiteLuz

  1. Olá Abmael! Finalmente encontrei você de novo! Através do blog do bom Jaum! Alguns anos atrás no seu antigo site você havia disponibilizado alguns roteiros de quadrinhos seus e disse que estava sem desenhista! Eu pedi pra você pra desenhar um deles, foi Cicatriz! Eu fiz a HQ e fui mandando pra você aos poucos pra você avaliar!

    Agradeço muito as suas mais do que valiosas dicas, cara. Ajudaram muito na minha formação! Fico feliz em saber que tem um espaço onde posso acompanhar seu trabalho de novo. Adoro a forma como você escreve.

    Outra coisa que queria perguntar: o que aconteceu com Prefixo: Super? Tenho até hoje aquela HQ, é uma lição de arte sequencial. Você deu continuidade a ela?

    Bom, no mais é isso. Visitarei muito esse espaço.

    Abraços.

  2. hola, señor Seixas. long time no see.

    e os dibujos, como andam? olhei teu blog, mas nada. cê tem que agradecer pro Antonio, también… na época fazíamos ‘intercâmbio’… ele me mandava textos de roteiristas iniciantes e eu etc.

    apareça mais vezes!

  3. Passados as loucuras de final de ano, até amanhã lhe envio os primeiros esboços do Prefixo Super.